Loading...
Capítulo I

Paulo Vanzolini e a zoologia na Amazônia

Na canoa, Paulo Vanzolini, Eduardo Galvão (antropólogo do Museu Paraense Emílio Goeldi) e Mano, filho do diretor do museu. Ao fundo, o barco
Lindolpho R. Guimarães.Foto: Darcy Albuquerque. Acervo Paraguassú Éleres/Revista Pesquisa FAPESP

Paulo Emílio Vanzolini, uma das figuras mais icônicas da zoologia brasileira, costumava dizer: "Quando Deus me fez zoólogo sabia o que estava fazendo". Formado em medicina pela Universidade de São Paulo (USP) e com doutorado em zoologia pela Universidade Harvard, Vanzolini dedicou mais de 40 anos de sua vida à exploração científica do Brasil, com foco especial na Amazônia. Suas viagens, financiadas por instituições como a FAPESP, resultaram na descrição de várias espécies novas de insetos, anfíbios, répteis e aracnídeos, sendo homenageado com 15 táxons, como Alpaida vanzolinii (1988), Vanzosaura (1991) e Anolis vanzolinii (1996).

O primeiro apoio da FAPESP a projetos liderados por Vanzolini foi em 1962, quando ele ainda era diretor substituto do Departamento de Zoologia da Secretaria de Agricultura do Governo do Estado de São Paulo – órgão que, em 1969, daria origem ao Museu de Zoologia da USP. Ele solicitou à FAPESP um financiamento de US$ 600 para apoiar a aquisição de "50 a 100 mil exemplares" de espécies coletadas pelo zoólogo norte-americano Boris Malkin em uma viagem ao Suriname e ao rio Gurupi. Algumas correspondências entre o zoólogo e os responsáveis na FAPESP sobre o assunto podem ser vistas abaixo.

Esse financiamento marcou o início de uma série de pesquisas que moldariam profundamente o acervo do Museu de Zoologia da USP.

A Expedição Permanente à
Amazônia (EPA)

Dois anos depois, em 1964, a FAPESP financiou um projeto ainda mais ambicioso: a construção de dois barcos de pesquisa para a Expedição Permanente à Amazônia (EPA), liderada por Vanzolini. Os barcos, nomeados Lindolpho R. Guimarães, com 11,5 metros de comprimento, e Garbe, com 18 metros, serviram como laboratórios flutuantes ao longo de uma década, sendo essenciais para as pesquisas da EPA.

Laboratório e alojamento flutuantes

Com o apoio da FAPESP, essas expedições permitiram a coleta de milhares de espécimes e dados valiosos sobre a biodiversidade amazônica. Na reprodução de mapa abaixo, é possível compreender, por exemplo, a extensão da expedição de 1977, em uma região ainda pouco explorada em pesquisas. Mais tarde, as embarcações foram doadas ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), de Manaus.

Novas áreas e descobertas: mapa da expedição de 1977

Visualizar documento

Ciência e arte a bordo

Durante as expedições da EPA, as investigações não estavam restritas à coleta de dados científicos. A visão de Paulo Vanzolini sobre o trabalho de campo incluía também um forte componente artístico, à moda dos naturalistas do século 19.

Ele frequentemente convidava artistas a participar das viagens de campo, promovendo uma interação entre a arte e a ciência. Um exemplo marcante foi a presença do artista José Cláudio da Silva, que, em 1975, viajou por 60 dias a bordo do Garbe, de Manaus a Porto Velho. Durante essa viagem, Silva pintou paisagens da Amazônia, retratando a imensidão dos rios, as comunidades locais e a impressionante fauna e flora da região. O resultado foi uma coleção de 100 óleos sobre tela que hoje integra o acervo do Palácio dos Bandeirantes – alguns exemplos dela podem ser vistos na exposição virtual realizada pelo Acervo do Palácio do Governo do Estado de São Paulo, com acesso abaixo.

Outro embarcado em expedição da EPA foi Arnaldo Pedroso d’Horta, em 1969. Além de desenhista e gravador, Pedroso d’Horta também era jornalista e colaborava com crônicas das viagens para o jornal O Estado de S. Paulo. Suas observações e desenhos contribuíram para documentar a grandiosidade da natureza amazônica, ao mesmo tempo que ampliavam o escopo cultural das expedições, divulgando a realidade da região.

Essa colaboração entre ciência e arte proporcionou uma rica produção visual que, além de registrar a biodiversidade da Amazônia, também rendeu uma criação autoral sobre a memória das expedições, a beleza e a complexidade da floresta.

Crônicas e ilustrações de Arnaldo Pedroso d’Horta

Visualizar documentos

Legado científico

As décadas de pesquisas, boa parte delas financiada pela FAPESP, não apenas ampliaram o acervo do Museu de Zoologia da USP – que passou de pouco mais de mil exemplares catalogados para cerca de 300 mil –, mas também ajudaram a consolidar teorias inovadoras sobre a evolução da biodiversidade na Amazônia. Uma das maiores contribuições de Paulo Vanzolini foi a Teoria dos Refúgios, desenvolvida em parceria com o zoólogo alemão Jürgen Haffer e aplicada pelo geógrafo Aziz Ab’Saber. O artigo científico assinado por Vanzolini e por Ernest E. Williams, do Museum of Comparative Zoology de Harvard College, e o de Haffer podem ser acessados nos links abaixo.

Contrariando a visão tradicional de que a diversidade tropical se devia à estabilidade da floresta, a Teoria dos Refúgios sugeriu que a especiação se deu em períodos de isolamento, provocados por mudanças ambientais e climáticas. No vídeo abaixo, o zoólogo Miguel Trefaut Rodrigues aprofunda a origem da teoria e a detalha. Ela revolucionou o entendimento da biodiversidade tropical na época, e continua a influenciar pesquisas na área até os dias de hoje.

A Teoria dos Refúgios

MIGUEL TREFAUT URBANO - ZOÓLOGO

“Existia descontinuidades na distribuição da floresta na Amazônia. E como é que elas teriam surgido? Justamente, no momento em que o clima favoreceu a expansão das áreas abertas e a retração das florestas, então dando origem aos refúgios.”

Assistir ao vídeo

Quarenta e sete dos mais de 150 artigos científicos assinados por Vanzolini foram reunidos no livro Evolução ao Nível de Espécie: Répteis da América do Sul, organizado por Andrea Bartorelli, Murilo de Andrade Lima Lisboa, Virginio Mantesso-Neto e Dione Seripierri e apoiado pela FAPESP.

A ligação de Vanzolini com a FAPESP não se restringia ao financiamento de suas pesquisas. Ele foi um dos idealizadores da Fundação e participou ativamente da redação do anteprojeto de sua criação em 1959, além de ter sido membro do seu primeiro Conselho Superior. Entre 1961 e 1993, Vanzolini foi conselheiro da FAPESP em diversos períodos, contribuindo para a formulação de políticas de financiamento que favoreceram a pesquisa científica no Estado de São Paulo, especialmente no campo da zoologia.

Evolução ao Nível de Espécie

Para acessar a publicação Evolução ao Nível de Espécie, sobre répteis da América do Sul, de Paulo Vanzolini, consulte o Centro de Memória por e-mail (centrodememoria@fapesp.br).

A Amazônia multifacetada e a zoologia

O zoólogo Miguel Trefaut Rodrigues, que dirigiu o Museu de Zoologia da USP (1997-2001), trabalha em pesquisas na Amazônia desde 1978. Com mais de 40 anos de expedições à região, também com o apoio da FAPESP, Trefaut é responsável pela descrição de cerca de 200 novas espécies de répteis e anfíbios. Fragmentos dessa história de pesquisas na Amazônia podem ser descobertos abaixo. São imagens inéditas do acervo do pesquisador, comentadas por ele próprio em áudio.

Memórias de campo por Miguel Trefaut

Miguel Trefaut mostra imagens de seu acervo de pesquisa e comenta as expedições em Roraima, Peru, Mato Grosso e no Pico da Neblina

Em 2017, Trefaut liderou uma das expedições mais complexas à região do Pico da Neblina, no Amazonas, na fronteira com a Venezuela, que abrange parte do território Yanomami. Precisou do apoio do Exército Brasileiro, incluindo o uso de helicópteros para chegar a campo. A área é praticamente intocada, do ponto de vista científico, e as investigações retornaram com 2,5 mil exemplares de fauna e flora na bagagem, representando 431 espécies de animais e 308 espécies de plantas, muitas delas inéditas.

Para conhecer mais sobre essas pesquisas, acesse as seguintes reportagens:

Aves, anfíbios, répteis e plantas: a vida no Pico da Neblina - 2018 USP na Amazônia: das trilhas da Neblina ao laboratório de campo - 2018 Lagartos da neblina cientistas descrevem novas especies do ponto mais alto do brasil - 2020
Assistir ao vídeo

O uso do DNA nas pesquisas

Miguel Trefaut Urbano - Zoólogo

"Dificilmente a gente faz uma viagem hoje em dia para qualquer região da Amazônia ou de outros ecossistemas brasileiros sem que a gente colete alguma novidade."

O uso do DNA nas pesquisas

Miguel Trefaut Urbano - Zoólogo

"Dificilmente a gente faz uma viagem hoje em dia para qualquer região da Amazônia ou de outros ecossistemas brasileiros sem que a gente colete alguma novidade."

Assistir ao vídeo

Novamente com apoio da FAPESP Trefaut voltou ao Parque Nacional do Pico da Neblina, em 2022, para uma nova expedição na Serra do Imeri. Em 12 dias de pesquisa a 1.870 metros de altitude contando mais uma vez com o apoio o Exército, a expedição resultou na coleta de mais de 260 espécies de plantas e animais.

Rumo a amazonia desconhecida - 2022 As novas especies da Serra do Imeri - 2023

Biodiversidade aquática e ação de preservação

Outro nome importante no campo das pesquisas zoológicas na Amazônia é o de Naércio Menezes, especializado em ictiologia (estudo de peixes). Menezes foi estagiário no Museu de Zoologia sob a orientação de Paulo Vanzolini e participou das primeiras pesquisas de campo da EPA, nos anos 1960. Seu trabalho se concentrou em áreas com menos dados disponíveis e, principalmente, em regiões ameaçadas pela intervenção humana, como a construção de usinas hidrelétricas.

Memórias de campo por Naércio Menezes

Naércio Menezes mostra imagens de seu acervo de pesquisa e comenta expedições à Amazônia.

Menezes liderou uma grande pesquisa com cerca de 50 pesquisadores sobre os Characiformes, uma das maiores e mais diversificadas ordens de peixes de água doce do mundo, resultando em um catálogo com mais de 2 mil espécies. Os dados foram compilados no artigo abaixo, que inclui a distribuição geográfica dos peixes na América do Sul e Central, África e sul dos Estados Unidos.

Em sua trajetória, Menezes sempre destacou a importância de coletar e registrar espécies ameaçadas. Regiões que têm espécies com distribuição restrita, as chamadas espécies endêmicas, merecem especial atenção: determinados peixes podem desaparecer antes mesmo de se tornarem conhecidos pela ciência.

Tem espécies que descrevi recentemente e já não existem mais

– Naércio Menezes

Além de garantir que essas espécies estejam disponíveis para estudos nas coleções de museus e laboratórios científicos, os dados coletados por cientistas ajudam a evidenciar a necessidade de conservação ambiental e alertar o poder público sobre a degradação da biodiversidade.

Influenciar políticas públicas

NAÉRCIO AQUINO MENEZES - ZOÓLOGO

“Acima de tudo, politicamente, nós podemos mostrar os riscos que correm esses peixes e outros animais aquáticos na natureza. E alertar para os cuidados que podem ser tomados, em nível governamental, para minimizar a perda de uma parte importante da nossa fauna aquática”.

Assistir ao vídeo
Linha do Tempo

Ocupação da Amazônia