O PROJETO GENOMA E
A PESQUISA EM REDE

No Brasil, a pesquisa genética ganhou impulso em 1997, quando 193 pesquisadores de 35 laboratórios paulistas se lançaram numa empreitada audaciosa: sequenciar o genoma de uma bactéria, a Xylella fastidiosa, que dizimava os laranjais paulistas. Esta exposição descreve – com documentos, entrevistas, fotos e vídeos – os bastidores dessa aventura que inaugurou o Projeto Genoma FAPESP e seus desdobramentos no sequenciamento de outros genomas, como o da cana-de-açúcar e o do câncer, e o seu impacto.

Veremos, a seguir, essa experiência transformadora de fazer Ciência organizada em cinco módulos: Pesquisa em rede, O desafio da gestão, Novo status para a genômica brasileira, A grande virada e Legado de competência.

01. Pesquisa em rede

Como desenhar um projeto relevante sem criar um novo centro de pesquisa?

Estímulo e resposta

Na década de 1990, a pesquisa paulista em biologia ganhava destaque, mas ainda estava longe de alcançar o desempenho de países desenvolvidos, que já investiam na genética molecular.

Em 1997, no mesmo ano em que nascia a ovelha Dolly – o primeiro mamífero clonado a partir de uma célula adulta –, o então diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, desafiou o coordenador da área de biologia à época, Fernando Reinach, a encontrar uma forma de acelerar a pesquisa nesse novo campo da genética em São Paulo.

A rede

A solução proposta foi engenhosa: em vez de construir um novo centro de pesquisa, reunir em rede laboratórios de pesquisa em todo o estado e equipá-los para sequenciar, colaborativamente, o genoma de uma bactéria de interesse econômico, a Xylella fastidiosa – causadora de uma doença conhecida como amarelinho, que atingia 35% dos laranjais, causando prejuízos anuais de milhões de dólares à citricultura paulista. O objetivo final era capacitar pesquisadores paulistas e constituir uma infraestrutura de pesquisa que, vencido esse primeiro desafio, permitisse levar adiante o sequenciamento de diversos outros organismos de interesse para a saúde humana, agropecuária, agricultura, entre outros.

O projeto foi aprovado pelo Conselho Superior da FAPESP, que reconheceu sua contribuição para a formação de recursos humanos e para o avanço da biotecnologia, além do potencial de sucesso, como vemos no extrato da ata da reunião aqui apresentada.

O segundo passo foi selecionar 35 laboratórios em todo o estado de São Paulo, reunindo 193 pesquisadores, para formar a rede Onsa (sigla em inglês para Organização Virtual para Sequenciamento de Nucleotídeos).

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São Paulo
  • Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer - Instituto Ludwig
  • Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina, Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP)
  • Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan - Unicamp
  • Seção de Bioquímica Fitopatológica do Instituto Biológico
INSTITUTO DE QUÍMICA DA USP - DEPARTAMENTO DE BIOQUÍMICA
  • Laboratório de Estudo da Relação entre Estrutura e Função de Enzimas
  • Laboratório de Expressão Gênica
  • Laboratório de Estrutura e Função de ATPases
  • Laboratório de Regulação de Expressão Gênica em Microorganismos
INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS DA USP
  • Departamento de Biologia
  • Departamento de Botânica
FACULDADE DE MEDICINA DA USP
  • Departamento de Psiquiatria do Instituto de Psiquiatria
  • Laboratório de Biologia Molecular do Instituto do Coração
  • Departamento de Radiologia
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO (UNIFESP)
  • Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia
  • Departamento de Biofísica
Campinas
  • Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer - Instituto Ludwig
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP)
  • Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética
  • Centro de Bioinformática do Instituto de Computação
  • Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Biologia
  • Hemocentro da Faculdade de Ciências Médicas
Ribeirão Preto
  • Departamento de Biotecnologia de Plantas Medicinais do Centro de Ciências Exatas, Naturais e Tecnológicas da Universidade de Ribeirão Preto
USP RIBEIRÃO PRETO
  • Departamento de Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas
  • Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina
  • Departamento de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina
Piracicaba
ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA LUIZ DE QUEIROZ DA USP (ESALQ-USP)
  • Departamento de Química
  • Departamento de Patologia de Plantas
  • Laboratório de Biotecnologia do Departamento de Zootecnia- ESALQ-USP
Botucatu
UNESP DE BOTUCATU
  • Departamento de Defesa Fitossanitária Fazenda Lageado da Faculdade de Ciências Agronômicas
  • Departamento de Genética do Instituto de Biociências
Jaboticabal
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (UNESP) JABOTICABAL
  • Departamento de Tecnologia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV)
  • Departamento de Biologia Aplicada à Agropecuária da FCAV-Unesp
Araraquara
UNESP DE ARARAQUARA
  • Laboratório de Biologia Molecular e Celular de Microrganismos/Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCFAR)
Cordeirópolis
INSTITUTO AGRONÔMICO (IAC)
  • Centro de Citricultura Sylvio Moreira
Mogi das Cruzes
  • Núcleo Integrado de Biotecnologia do Centro de Ciências Biomédicas da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC)
São José dos Campos
  • Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da UNIVAP
VEJA A LISTA DE
PESQUISADORES
Conquistando adesões

Os pesquisadores integrantes da rede Onsa tinham expertises distintas – e esse foi um fator fundamental para o sucesso do projeto. Alguns laboratórios trabalhavam com biologia molecular e genética, outros com biologia computacional ou com fitopatologia e manejo de plantas para a agricultura. E dois deles já desenvolviam investigação com DNA. Poucos tinham experiência em biologia de patógenos de plantas. Era o caso do Laboratório de Hematologia Molecular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), liderado, na época, por Marco Antonio Zago.

O projeto de sequenciamento do genoma da Xylella fastidiosa teve a participação de dois parceiros estratégicos: o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer em São Paulo e o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus). O diretor do Instituto Ludwig, Ricardo Brentani, colocou seu chefe do Laboratório de Genética, o inglês Andrew Simpson, à disposição da FAPESP. E, por tratar-se do sequenciamento de um organismo de relevância agrícola, a Fundecitrus participou do financiamento do projeto.

02. O desafio da gestão

Como montar um quebra-cabeça a muitas mãos e a distância?

Mãos à obra

O passo seguinte foi arquitetar a governança do projeto, indicando para posições estratégicas pesquisadores com experiência em sequenciamento de genomas e em pesquisa genética.

Andrew Simpson assumiu a coordenação geral do projeto e a responsabilidade de distribuir os grandes fragmentos do genoma da X. fastidiosa aos laboratórios da rede Onsa. Os laboratórios de Fernando Reinach, no Instituto de Química da USP, e de Paulo Arruda, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), treinaram pesquisadores ainda inexperientes nas técnicas de biologia molecular e de sequenciamento de genes, enquanto João Setúbal e João Meidanis, do Laboratório de Bioinformática da Unicamp, ficaram com a missão de receber pela rede as sequências geradas nos diferentes laboratórios e montar a sequência do genoma da Xylella fastidiosa.

Montar um quebra-cabeça

A operação era complexa e a comunicação um desafio, já que a internet no Brasil ainda não oferecia os recursos atuais. Cada um dos laboratórios recebia da coordenação do projeto fragmentos do genoma da Xylella fastidiosa, fazia o sequenciamento e a montagem de cada um deles e encaminhava o resultado para o Laboratório de Bioinformática da Unicamp, utilizando e-mail ou depositando os arquivos num site. Ali, João Setúbal e João Meidanis se incumbiam de juntar esses pedaços para montar o mapa do genoma do fitopatógeno, sem deixar nenhum “buraco”, como descreve Setúbal no vídeo.

Acompanhamento e avaliação isentos

Outro grande desafio foi avaliar o trabalho de sequenciamento, montagem e identificação dos 2.900 genes que compõem o genoma da X. fastidiosa. O grande porte da iniciativa, orçada em US$ 10 milhões, exigia um acompanhamento que validasse, em nível mundial, os caminhos escolhidos e a qualidade da pesquisa e do resultado. A FAPESP, então, recorreu à assessoria de um comitê internacional, formado por Steve Oliver, da Universidade de Manchester, no Reino Unido, André Gouffeau, da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, e John Sgouros, da Imperial Cancer Research Foundation, no Reino Unido.

O laboratório de Steve Oliver tinha liderado o projeto de sequenciamento da levedura nos anos 1980; André Gouffeau foi pioneiro, ao sequenciar o primeiro organismo eucariótico, a levedura Saccharomyces cerevisiae; e John Sgouros , especialista em bioinformática, tinha grande experiência na análise computacional de genoma.

André Goffeau na primeira reunião do Projeto Genoma, na FAPESP, em 13 de junho de 1997

André Gouffeau e Andrew Simpson (ao fundo), Steve Oliver e John Sgouros em reunião na FAPESP

André Vettore (pesquisador da Unicamp), Andre Goffeau, Steve Oliver e Andrew Simpson (da esquerda para direita) em reunião na FAPESP. Oliver e Goffeau integraram o Steering Committe do Projeto Genoma Xylella.

As avaliações do comitê, ao longo do processo, consolidaram reputação internacional para o projeto antes mesmo que ele fosse finalizado, como vemos no destaque de um dos relatórios.

“Impressiona o Comitê a combinação única de expertise que foi construída ao longo dos últimos dois anos. A rede explorou quase todas as estratégias de clonagem, mapeamento e sequenciamento, assim como usou e desenvolveu quase todas as técnicas de bioinformática relacionadas com essas estratégias. Essa expertise acumulada não pode ser desperdiçada. Nós estamos convencidos de que São Paulo pode vir a dominar o campo da análise genômica de patógenos de plantas.”

03. Novo status para a genômica brasileira

O resultado do Projeto Genoma era consistente.
Como seria recebido na comunidade internacional e pelas autoridades brasileiras?

Jogando na grande liga

Concluído o sequenciamento da Xylella fastidiosa, em 6 de janeiro de 2000, um artigo científico de sete páginas, assinado por todos os pesquisadores participantes, foi encaminhado à revista Nature. Foram dias de grande expectativa até que a revista anunciasse a publicação do artigo, como relembra João Setúbal, autor correspondente do artigo, no vídeo. O aval dos editores da Nature era uma chancela indiscutível à iniciativa.

Nas fotos a seguir: Andrew Simpson, coordenador do Projeto Genoma, José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, e João Setúbal, pesquisador responsável pelo Laboratório de Bioinformática, exibem mapa da Xyllela fastidiosa em evento de encerramento do projeto. Nas demais imagens, reunião de trabalho para produção do artigo que seria submetido à revista científica Nature.

O artigo foi capa da edição 6.792 do periódico, em 13 de julho de 2000. No editorial, uma afirmação contundente dos editores:

“Há um equívoco comum de que somente nações avançadas e industrializadas têm o potencial e o pessoal qualificado necessários para fazer ciência de ponta eficaz. Como primeira sequência pública de um patógeno de planta de vida livre, o artigo representa um marco científico significativo. Mas também envia um claro sinal político, notadamente o desejo e a capacidade de países como o Brasil de jogar na grande liga”.

A notícia se espalha pelo mundo

A conclusão do primeiro sequenciamento do genoma de um fitopatógeno, a X. fastidiosa, foi notícia nos principais jornais do país e veículos internacionais, como o New York Times, The Economist, o Wall Street Journal e a Gazeta Mercantil Latino-Americana, entre outros.

Sete pesquisadoras participantes do Projeto Genoma foram laureadas com o Prêmio Claudia, como mulheres de destaque no ano. O Projeto também foi tema de uma série de vídeos produzidos pela TV Cultura, levando ao grande público informações sobre a pesquisa e sobre pesquisadores (disponíveis na íntegra ao final da exposição). A ciência brasileira, pela primeira vez, ganhou manchetes de jornais e revistas.

A festa da Xylella

O sucesso da empreitada fez com que os pesquisadores fossem recebidos pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 25 de fevereiro de 2000.

Nas fotos a seguir: pesquisadores do Projeto Genoma Xylella fastidiosa são recebidos pelo então presidente da República no Palácio do Planalto, acompanhados pelo então governador do Estado de São Paulo, Mario Covas.

Quatro dias antes, eles tinham sido homenageados pelo governador Mário Covas em evento na Sala São Paulo. Na ocasião, todos foram condecorados com uma medalha e os 35 laboratórios receberam o troféu Árvore dos Enigmas, uma escultura do italiano Elvio Becheroni.

04. A grande virada

Constituído um novo campo de pesquisa no
Brasil, como se valer dele?

Avançando no caminho

O domínio da técnica de sequenciamento e da bioinformática, associado à qualificação de recursos humanos para a pesquisa em genética molecular, abriu caminho para estudos de outros genomas, como os da cana-de-açúcar, da Xanthomonas citri, do eucalipto e do câncer, contribuindo para fazer avançar a pesquisa em bioenergia, biomassa, alimentos, novos tratamentos e diagnósticos, entre outros.

Os resultados chamaram a atenção para a qualidade da pesquisa brasileira, criando oportunidade para parcerias internacionais.

Imagens de pesquisas sobre biogenética realizadas em laboratório de pesquisa na Unicamp, coordenado por Paulo Arruda.

No mesmo ano em que concluíam o genoma da Xylella fastidiosa, em 2000, pesquisadores da rede Onsa deram início à decodificação do genoma de outra variedade da X. fastidiosa, que ameaçava as videiras da Califórnia, em parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Esse empreendimento, de US$ 500 milhões, era disputado por laboratórios norte-americanos. Posteriormente, a rede Onsa também trabalhou no sequenciamento do genoma da X. fastidiosa que ameaçava as amendoeiras californianas.

Genoma Humano do Câncer

Outro desdobramento de extrema importância foi o projeto Genoma Humano do Câncer, iniciado em abril de 1999. O projeto reuniu 29 laboratórios e um centro de bioinformática da rede Onsa com o objetivo de sequenciar genes expressos em tumores de grande incidência no país. O grupo usou uma metodologia nova e desenvolvida no Brasil, conhecida como Orestes (open reading frame expressed sequence tag). Orçado em US$ 20 milhões, o projeto contou com recursos da FAPESP e do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer.

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Caderneta de anotações do coordenador Andrew Simpson durante o projeto.

A técnica Orestes tinha sido concebida por Emmanuel Dias Neto na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob a orientação de Andrew Simpson, em 1997. Permitia sequenciar a porção central dos genes, onde se localiza a informação genética, e identificar genes que, muitas vezes, passavam despercebidos nos estudos feitos com técnicas tradicionais.

Utilizando esta técnica, a rede Onsa sequenciou mais de 1 milhão de fragmentos gênicos expressos (expressed sequences tags ou ESTs) provenientes de diferentes tumores humanos. Grande parte desses dados está disponível no GenBank, repositório mantido pelo National Center for Biotechnology Information (NCBI).

O Projeto Genoma Câncer foi fundamental para fazer avançar o conhecimento sobre a doença e para melhorar o diagnóstico, prevenção e tratamento, como a identificação de tumores raros e de alta incidência no Brasil. Também contribuiu para o diagnóstico de doenças raras, causadas por alterações genéticas. Ainda hoje as informações geradas entre 1990 e 2003 subsidiam projetos de pesquisa na área.

“O grupo brasileiro produziu um número significativo de entradas catalogadas no GenBank, base de dados internacional e pública de genes humanos sequenciados, baseada no National Institutes of Health (EUA)”, diz Lawrence Brody, geneticista do National Human Genome Reaserch Institute (Maryland, EUA). Ainda assim, Brody afirma ser difícil localizar todos os genes ativos na formação do câncer de mama em dois anos. O projeto de 20 milhões de dólares, financiado conjuntamente pelo estado de São Paulo e o Instituto Ludwig, elegeu como foco o câncer de mama, uma das formas de câncer fatais mais comuns no Brasil, segundo [Andrew] Simpson. Ele informa que haverá a tentativa de identificar, também, outros tipos de câncer prevalentes em países em desenvolvimento.

Pesquisa para o mercado

O sequenciamento de fitopatógenos e de plantas também conferiu aos pesquisadores expertise para o mercado. Em 2002, foram criadas startups como a Alellyx e a CanaVialis, que geravam e comercializavam genomas patenteados, e também a Scylla Bioinformática, todas com o apoio do fundo Votorantim Novos Negócios. Bem-sucedidas, Alellyx e CanaVialis foram, posteriormente, adquiridas pela Monsanto.

Quatro anos depois, em 2006, um grupo de empresários brasileiros, em parceria com o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, criou a ReceptaBio, de pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos para o tratamento do câncer.

Ana Claudia Rasera da Silva, João Paulo Kitajima, Jesus Ferro, Paulo Arruda e João Paulo Setúbal, pesquisadores do Projeto Genoma que integraram a empresa startup Alellyx, de comercialização de genomas.

Em 2012, outro grupo de bioinformatas inaugurou a Mendelics, especializada em exames diagnósticos genéticos para doenças raras e câncer, utilizando técnica de Sequenciamento de Nova Geração (NGS).

Fomentar o mercado empresarial brasileiro na área de biogenética apresenta-se, desde o fim do Projeto Genoma até os dias atuais, como um desafio, comenta Fernando Reinach no vídeo. Há avanços importantes para que o país constitua um ecossistema de inovação nessa área.

05. Legado de capacidade

Um dos principais legados do Projeto Genoma é
a capacidade de pautar e responder
aos problemas próprios do Brasil no campo da
genética. Mas por que isso é importante?

Pesquisadores de ponta

O Projeto Genoma foi um marco na vida científica de São Paulo, um ponto de virada para a pesquisa em genética e um passo à frente na direção da biotecnologia. Legou ao país uma geração de pesquisadores altamente qualificados e a experiência de trabalhar em rede colaborativa.

Também como resultado da iniciativa, a genômica ganhou relevância nacional com a criação do programa BrGene coordenado por Andrew Simpson e pesquisadores espalhados pelo Brasil também em rede. À semelhança, foi criado o LabInfo, como o Laboratório de Bioinformática, e liderado pela bióloga Ana Tereza de Vasconcelos, que ganha protagonismo nacional na coordenação de vários projetos em parceria.

Uma amostra dos desdobramentos que o projeto trouxe para a ciência brasileira é apresentada a seguir, nos depoimentos de pesquisadores participantes que hoje atuam nos mais diversos campos.

Respostas aos nossos problemas

Além de qualificar recursos humanos e equipar laboratórios, um aspecto-chave do legado do Projeto Genoma foi a possibilidade de direcionar a capacidade de pesquisa à resolução dos problemas locais, com total domínio do instrumental necessário para resolvê-los.

O projeto Genoma Cana, por exemplo, mobilizou 240 pesquisadores no primeiro sequenciamento de uma planta realizado no Brasil. Eles identificaram cerca de 80 mil genes, desenhando um mapa completo de como a planta vive, se reproduz e morre, oferecendo pistas sobre como tornar a cana-de-açúcar mais produtiva e eficiente, resistente a pragas e à seca.

O sequenciamento do genoma da Xanthomonas citri, a bactéria causadora do cancro cítrico, inaugurou no país a genômica comparativa, que permite identificar a função dos genes. Os pesquisadores descobriram que, dos cerca de 4.500 genes que compõem o único cromossomo da Xanthomonas, 593 estão associados a processos metabólicos de produção de energia, 365 à síntese de aminoácidos e outras moléculas que auxiliam o funcionamento das enzimas, 486 à formação de macromoléculas, 310 a processos celulares, e 292 se relacionam com a patogenicidade, virulência e adaptação da bactéria.

A competência para responder a problemas locais foi, mais recentemente, demonstrada no enfrentamento do zika vírus, em 2015. Na ocasião, pesquisadores do Estado de São Paulo, apoiados pela Rede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN) e por laboratórios com nível de biossegurança 3 (NB3+), além de desenvolver novos diagnósticos para a doença, descobriram que a infecção durante a gestação pode causar malformação cerebral congênita.

Os pesquisadores de São Paulo também estavam prontos para enfrentar a pandemia de COVID-19: precisaram de apenas 48 horas, depois de confirmado o primeiro caso da doença em São Paulo, para sequenciar e publicar a sequência completa do genoma do vírus SARS-CoV-2. Passado o pico da pandemia, pesquisadores do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco, em São Paulo, buscam identificar os fatores genéticos que protegem algumas pessoas da infecção ou até mesmo de desenvolver formas graves da COVID-19.

Enquanto isso, em Ribeirão Preto, pesquisadores do Centro de Terapia Celular desenvolviam método que consiste em retirar células de defesa (linfócitos T) do paciente com câncer, reprogramá-las em laboratório para que reconheçam uma proteína chamada CAR que, reinfundidas no doente, se tornam capazes de atacar o tumor.

O impacto do Projeto Genoma também reverbera em outras áreas da ciência. O Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas, uma parceria entre FAPESP e Embrapa, utiliza a genômica e a engenharia genética para buscar formas de mitigar danos à agricultura do país causados pelas mudanças no clima.

Em 2022, a trajetória de sucesso do Projeto Genoma e seus desdobramentos foram revisitados no seminário Genome 20+2. Para mais informações, clique no banner ao lado.